4 de dezembro – António Feijó

Noite de Natal

[A um pequenito, vendedor de jornais]

Bairro elegante, – e que miséria!

Roto e faminto, à luz sidéria,

O pequenito adormeceu…

Morto de frio e de cansaço,

As mãos no seio, erguido o braço

Sobre os jornais, que não vendeu.

A noite é fria; a geada cresta;

Em cada lar, sinais de festa!

E o pobrezinho não tem lar…

Todas as portas já cerradas!

Ó almas puras, bem formadas,

Vede as estrelas a chorar!

Morto de frio e de cansaço,

As mãos no seio, erguido o braço

Sobre os jornais, que não vendeu,

Em plena rua, que miséria!

Roto e faminto, à luz sidéria,

O pequenito adormeceu…

Em torno dele – ó dor sagrada!

Ao ver um círculo sem geada

Na sua morna exalação,

Pensei se o frio descaroável

Do pequenino miserável

Teria mágoa e compaixão…

Sonha talvez, pobre inocente!

Ao frio, à neve, ao luar mordente,

Com o presépio de Belém…

Do céu azul, às horas mortas,

Nossa Senhora abriu-lhe as portas

E aos orfãozinhos sem ninguém…

E todo o céu se lhe apresenta

Numa grande Árvore que ostenta

Coisas dum vívido esplendor,

Onde Jesus, o Deus Menino,

Ao som dum cântico divino,

Colhe as estrelas do Senhor…

E o pequenito extasiado,

Naquele sonho iluminado

De tantas coisas imortais,

– No céu azul, pobre criança!

Pensa talvez, cheio de esp’rança,

Vender melhor os seus jornais…

António Feijó, Poesias Completas, Edições Caixotim.